QUEM TEM MEDO DE DEFENDER A LÍNGUA DE CAMÕES?

Relativamente à definição de uma política séria de defesa do nosso idioma, é manifesta a incapacidade dos sucessivos governos da II República. Para fundamentar a presente asserção, basta trazer à colação a resignação geral perante as nefastas consequências (bem visíveis…) da aplicação do novo acordo ortográfico. Entre outros aspectos, podemos salientar a acentuação do “ensurdecimento” da língua de Camões, de que tem sido exemplo mediático a bárbara pronúncia de “ação”: “a São”! Mas não é caso único: veja‑se a confusão entre “conceção” e concessão, “interceção” e intercessão, etc. Estamos perante uma das mais graves incongruências resultantes da eliminação das chamadas (de forma errónea!) “consoantes mudas”. No português europeu, com efeito, o seu papel é decisivo, porque obrigam à abertura da vogal anterior. Isto seria bastante, aliás, para que já estivesse em cima da mesa a indispensável reforma da ortografia vigente.

Além desse “ensurdecimento”, assistimos à crescente pobreza lexical e sintáctica da maioria dos falantes, cuja exemplificação cingimos aqui à expulsão do “vós” da praça pública, com a consequente e sistemática construção de frases incorrectas (v. g.: “Enviem os vossos votos!”). Ora, qualquer política de defesa do Português que seja digna do seu nome não pode alhear‑se da erosão gramatical da nossa língua, devendo promover estratégias que a combatam. Onde estão elas?

Eurico de Carvalho

 In Público, n.º 12 423 (7 de Maio de 2024), p. 6.  

 

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